Ao longo de 2022, e principalmente nos últimos meses, temos visto cada vez mais matérias e reportagens sobre as demissões em massa que vem ocorrendo em grandes e pequenas empresas de tecnologia mundo a fora. Por que isso está ocorrendo agora? E qual a relação da política monetária dos EUA, da Covid-19 e da Guerra da Ucrânia com esse fenômeno?
Na última década, o mundo vivenciou um período de grande crescimento econômico – um aumento médio de 3% ao ano no PIB global. Aliado a isso, as grandes economias do mundo ficaram anos com taxas de juros extremamente baixas, inclusive taxas de juros reais negativas em alguns casos, algo nunca visto.
Após a pandemia do Covid-19 e a ocorrência da Guerra da Ucrânia, que ainda vivemos, a inflação mundial disparou e os juros, antes em terreno estimulativo, subiram rapidamente, acabando com a liquidez global e o apetite a risco dos investidores. Grandes empresas de tecnologia e startups passaram a realizar demissões em massa para se ajustar à nova realidade, e são esses efeitos que vemos agora.
Durante os anos 2010-2020, a economia mundial ia de vendo em popa, e a liquidez global, ou seja, a quantidade de dinheiro disponível para investimento, era gigante. Mais que isso, os EUA e a Europa praticavam uma política monetária extremamente expansionista, deixando os juros básicos baixos, o que na prática significa crédito barato. Isso estimula o crescimento econômico, e como não havia inflação, os bancos centrais se utilizaram dessa ferramenta sem pudor.
Com dinheiro sobrando e juros baixos, empresas de alto risco e com retorno esperado de muitos anos para frente, começaram a receber aportes bilionários por parte de investidores que buscavam um retorno mais interessante frente aos juros negativos e às ações de empresas tradicionais. Nesse momento que empresas como Uber, Airbnb, WeWork, entre outras, passam a contar com dinheiro praticamente infinito para tentar crescer e dominar seus respectivos mercados.
Por volta de 2019, era inclusive comum ouvir discussões e ler artigos em revistas e jornais de renome mundial sobre a inflação ter acabado para sempre, ou se agora vivíamos um novo normal. Muito se discutiu e argumentou, mas os mais céticos sempre alertaram que as engrenagens que controlam juros, inflação e crescimento continuavam as mesmas, e que a conta de uma política monetária sem restrições viria cedo ou tarde.
Eis que chega 2020, e uma pandemia de uma nova doença, de proporções não vistas a mais de um século, muda a vida como a conhecemos. Com as pessoas trancadas dentro de casa, comércios fechando, e muitos não podendo ir trabalhar, os governos do mundo todo aceleraram o processo que já vinha em curso de expansão monetária. Os juros caíram ainda mais, inclusive no Brasil, que chegamos à marca histórica de 2% na taxa Selic. Mais que isso, os governos iniciaram uma política fiscal de distribuição de dinheiro em larga escala, aqui no Brasil foi chamada de auxílio emergencial, nos EUA de corona voucher, mas ocorreu nos mais diversos países.
Pois bem, com a retomada pós pandemia, e as aberturas dos países, a atividade econômica voltou a acelerar, e havendo muito dinheiro em circulação e crédito barato, ou seja, muita demanda, os preços começaram a subir. Para piorar, as interrupções nas cadeias globais de produção, também geradas pela pandemia, reduziram a oferta de produtos, o que pressionou ainda mais os preços. Com isso, a inflação no mundo começou a mostrar sua cara novamente, depois de anos adormecida.
Só que o tiro de misericórdia veio com a Guerra da Ucrânia. Com duas grandes produtoras de commodities, Rússia e Ucrânia, em guerra, começou a diminuir a oferta de produtos que vem desses países, como trigo e fertilizantes. Além disso, as sanções à Rússia, corretas por sinal, causaram impasses diplomáticos e redução do fornecimento de gás para a Europa, além de menor oferta de petróleo.
Com isso, o preço do petróleo e do gás explodiu. Como energia é matéria prima para quase tudo, os preços em geral subiram rapidamente, causando um aumento mais rápido na inflação, que já vinha em tendência de alta. Agora, tardiamente, os bancos centrais vêm subindo os juros para tentar controlar a inflação, mas é um processo que leva alguns semestres para fazer efeito.
Bom, aqui chegamos nas demissões em massa. Com o aumento dos juros, o crédito fica mais caro, então empresas que dependem de empréstimos ou de financiamento de investidores passam a projetar prejuízos cada vez maiores. Os investidores que outrora buscavam investimentos de risco, em empresas que talvez demorassem anos para começar a dar lucro, e enquanto isso queimavam caixa, agora querem negócios mais seguros, que já gerem caixa hoje.
Sem novas fontes de financiamento por parte dos investidores, e juros mais caros sobre os empréstimos já existentes, empresas muito alavancadas passam a ter que reestruturar seus negócios para não morrer. Aí que passamos a ver demissões em massa, em startups brasileiras como Buser, Loft, Alice e Quinto Andar, mas também em gigantes americanas como a Meta, que demitiu mais de 11 mil funcionários em novembro, Twitter e outras que seguiram esse movimento.
Esse ajuste reflete os novos tempos que vivemos, com inflação e juros mais altos, além de preocupação maior com o cenário geopolítico e expectativa de uma possível recessão global já no ano que vem. Existem empresas para todos os gostos, mas nenhuma pode fugir da regra fundamental de que para ser viável, precisa um dia gerar lucro. Aquelas que nasceram num mundo de dinheiro barato e paciência infinita dos investidores vão precisar se adaptar ao mundo real, ou então irão desaparecer.
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